segunda-feira, 13 de abril de 2009

Territórios e Poderes


[...] Assim como tratar de fronteiras entre países significa abordar valores fundamentais para a orientação dos governantes, da mesma forma propor-se a reavaliação de fronteiras institucionais é colocar em xeque paradigmas profissionais. Dentre estes, a tomada de decisão é um exemplo fatídico a ser refletido. Neste norte provoca-se: como podemos conceber uma tomada de decisão compartilhada? É possível tomar medidas, antecipando-se à pressão da mídia? Ou, diante de uma seleção de alternativas, preparadas por especialistas ou apresentadas por representações sociais, qual seria o comportamento do gestor? De outra forma, já ingressando nos riscos de um modelo gerencial deste porte, como enfrentar as parcialidades?Mudar de atitude vincula-se ao aprendizado, não bastando dispor-se da informação tem-se, ainda, que transformá-la em conhecimento, em uma evolução do nível cognitivo que depende de motivação (o pulsar interno do indivíduo), ou seja, o sujeito é o responsável por qualquer mudança. Na lógica, sabendo-se da importância da formação de uma rede de ações, passa-se a agir como ator nesta auto-organização e estimulador do diálogo para o encontro de soluções conjuntas. Isto nos garante uma forma mais ampla de vermos nosso espaço e tempo. Instaura o mister da intervenção trazendo à baila a lição de Paulo Freire (1996): “Constatando, nos tornamos capazes de intervir na realidade, tarefa incomparavelmente mais complexa e geradora de novos saberes do que simplesmente a de se adaptar a ela” (p.77). Alerta-se, porém, deparar-se com a realidade e efetuar uma constatação não é suficiente por si só, são apenas passos iniciais para traçarmos estratégias que demandam outros atos como: comprometer-se com o caminhar, explorar, comparar, exercitar a interação, executar, além da avaliação continuada das ações.

O romper barreiras é, na simplicidade da proposta, um suporte decisivo, contudo é ao mesmo tempo um forte empecilho a sua realização. Poderíamos tratar de forma extensa este ponto, mas como se relaciona à criação de limites e manutenção de poderes far-se-á uma breve referência a dois autores: Michel Foucault e Desmond Morris. Inicialmente, Foucault (2002), tratando do espaço amplo de administração (seja governo, família, etc.) e abordando a obra O Príncipe de Maquiavel, observa que: “o objetivo do exercício de poder é manter, reforçar e proteger o principado, entendido não como o conjunto constituído pelos súditos e o território, o principado objetivo, mas como relação do príncipe com o que ele possui...”. Ora, esta forma de administrar voltada para a proteção do príncipe, na verdade, prescinde o “bem comum”, além de negar a existência, na sociedade, de outra forma de poder. Estes pontos são fundamentais para a reflexão sugerida. Os poderes e territórios erigidos a partir do exercício da administração pública (compartimentada em “jurisdições” e “circunscrições”) trazem ao curso desta apreciação um aspecto instintivo de criação de limites e fronteiras tal qual descrito por Foucault.De outra sorte, demonstrando quanto é natural esta criação de fronteiras regressamos ao próprio indivíduo. Para tanto, citamos Morris (2006), que retrata o animal humano através de seus instintos mais primitivos. Descreve que os animais lutam entre si por duas razões básicas: para estabelecer o domínio em uma hierarquia social e para demarcar território. Pertencemos ao grupo que reúne estas duas formas de comportamento. Segue a análise até chegar às relações sociais. Ali, identifica que o comportamento desenvolvido pelo “animal pelado” coloca-se entre a imposição e a submissão. Por derradeiro, registra que o isolamento em pequenos grupos está presente no comportamento humano e sentencia:“ Claro que nós não evoluímos para viver em monstruosas aglomerações de milhares de indivíduo. O nosso comportamento foi concebido para agirmos em pequenos grupos tribais...” ( p. 196). Ou seja, colocados lado a lado o instinto segregador, a autoproteção, o exercício de poder e a retomada de posição neste mundo conectado temos uma amostra do quanto se tem de superar até chegarmos ao compartilhamento de gestão e definitiva ação. Neste momento ressurte novas questões : A gestão da segurança pública está se comportando de forma transcendental, como se estivesse posicionada externamente em relação às comunidades? O trabalho é realizado em função de prestação de contas à comunidade ou a instâncias institucionais ou políticas? As divisões territoriais, inerentes à organização do sistema de segurança, geram poderes que servem para afastar ou aproximar as partes deste sistema?Ainda, na prática poder-se-ia admitir que o administrador, ao ser investido do poder legal para o exercício de sua atividade, cria instintivamente fronteiras, as quais são necessárias para o cumprimento deste papel, porém, até o instante do prudente exercício da dialogicidade no escopo da eficiência administrativa e, por fim o bem da sociedade. Frisa-se, a comunicação é básica nesta visão sistêmica e não deve ser entendida de forma restritiva, aliás, nenhum tema pode sofrer limitação. Dunning e Hochestedler (2002) já reconheciam sua importância registrando que ela se revela como um componente crítico em uma organização policial. A comunicação deve ocorrer não só com agentes externos, mas principalmente com nossos colaboradores diretos.

Sérgio Flores de Campos . Nova Polícia de Conectividade. Publicado em :
http://www.forumseguranca.org.br/artigos/a-nova-policia-de-conectividade

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