sábado, 18 de abril de 2009

A guerra no Complexo do Alemão e Penha: segurança pública ou genocídio?

Maria Helena Moreira Alves
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A Anistia Internacional e outras organizações internacionais têm divulgado graves denúncias sobre a violência policial no Brasil. É importante, neste contexto, enfatizar que a nova política que está sendo implementada pelo governo do Rio de Janeiro, isto é, o cerco militar de determinadas comunidades, geograficamente definidas, com população de maioria negra, está levantando um debate internacional sobre genocídio. O debate é se o que está acontecendo no Rio há mais de 50 dias pode ser considerado, dentro da legislaçao internacional, como “um padrão que pode levar a genocídio”. Isto é muito definido nas leis internacionais, isto é, ações determinadas e continuadas de política pública que podem levar a uma situação que cause morte, ferimentos graves e impedimento de meios de sobrevivência a um determinado grupo humano. Um grupo populacional com geografia estabelecida, facilmente cercável em um sítio militar, vulnerável a repressão policial, de uma maioria identificada específica, seja ela religiosa, étnica ou racial.
Senão, vejamos: a definição internacional do crime de genocídio está nos Artigos II e III da Convenção de Prevenção e Punição de Genocídio, de 1948. O Artigo II descreve os dois elementos que constituem o crime de genocídio:
1. O elemento Mental, definido como “A intençao de destruir, em tudo ou em parte, um determinado grupo nacional, racial ou religioso.”
2. O elemento Físico, que inclui cinco atos específicos descritos nas seçoes a, b, c, d, e. Citando específicamente a Convenção para a Prevenção e Punição de Genocídio:
Artigo II. “Na presente Convenção, genocídio significa qualquer um dos seguintes atos cometidos para destruir, em total ou somente em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso:
a) Matar membros do Grupo.
b) Causar graves danos físicos e mentais a membros do grupo.
c) Impor, deliberadamente, condições de vida que impeçam a sobrevivência ou dificultem a vida de membros do grupo.
d) Impor medidas que visem a impedir nascimentos dentro deste grupo.
e) Transferir, forçadamente, crianças deste grupo para outros.”
O Brasil é signatário desta Convenção e de outras legislações internacionais de Direitos Humanos, como o Estatuto de Roma. Faz parte dos países fundadores da Corte Internacional de Haya. Como o Brasil assinou e ratificou acordos internacionais sobre direitos humanos, é passível também de ser denunciado por outros países que são parte dos sistemas internacionais e mesmo nas Nações Unidas. Qualquer organização de direitos humanos, como também qualquer grupo de vítimas, podem formalizar uma denúncia contra um país que está praticando sérios crimes contra os direitos humanos.
É extremamente importante que as autoridades considerem seriamente este debate internacional sobre a possibilidade de que o Brasil esteja caminhando para um “padrão de genocídio”. As conseqüências de uma denúncia formal são extremamente sérias para o país e para as pessoas, governantes ou não, que sejam consideradas dentro da denúncia. Chegou a hora em que, realmente, o governo do Rio se sente com as lideranças comunitárias, com os especialistas em segurança humana, com representantes de organizações de direitos humanos e de ONGs que trabalham com esta questão, para elaborar definitivamente uma política de longo prazo que possa estabelecer uma verdadeira segurança para todos os cidadãos e cidadãs brasileiros.
Uma boa pauta seria começar com as recomendações da própria Anistia Internacional explicitadas nos seus relatórios sobre o Brasil.

Maria Helena Moreira Alves é PhD em ciências políticas pelo MIT (Massachussetts Institute of Technology); especialista em Direitos Humanos e política internacional; professora (aposentada) de Ciência Política e Economia (UERJ); leciona freqüentemente como professora visitante em universidades dos Estados Unidos; é autora de 43 artigos publicados em livros e revistas internacionais. Autora do livro premiado "Estado e Oposiçao no Brasil (1964 a 1985)", Editora Vozes, re-editado em 2004 pela EDUSC e publicado em inglês pela Texas University Press em 1984.

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